A Automutilação nada mais é do que qualquer comportamento intencional envolvendo agressão direta ao próprio corpo, sem intenção consciente de suicídio e não socialmente aceita dentro da própria cultura. Tal ação tem sido observada nos últimos anos, com uma frequência maior em pré-adolescentes e adolescentes, despertando a preocupação das famílias, educadores e profissionais da saúde.
Com o intuito de compreender esse processo, analisam-se as teorias de Erik Erikson, psicanalista alemão, que descreveu entre as décadas de 60 e 70 que a criança começa a construir expectativas de como gostaria de ser no futuro, a partir de como se sente enquanto criança. Nesse sentido, o processo de formação da identidade vem à tona gradualmente, construindo-se por meio de inúmeras elaborações e reelaborações do ego nesse período. O mesmo autor afirmava que as possíveis crises de identidade eram mais presentes na adolescência, ao vivenciarem escolhas de grupos, ao experimentarem ações de independência dos pais, ao sofrerem consequências reativas de seus próprios atos, entre outras.
Também apontou crises de identidade individual, nos jovens adultos, quando abandonavam os lares, casavam-se, eram pais pela primeira vez, divorciavam-se ou mudavam de trabalho. O sucesso com que enfrentavam tais mudanças estava determinado parcialmente pela capacidade para superar as crises de identidade adolescentes.
A pediatra e psicanalista francesa Françoise Dolto, autora clássica de obras sobre a adolescência, afirma como comum às crises de identidade nessa fase do desenvolvimento, pois há inúmeros processos psicológicos para organizar um turbilhão de sensações e sentimentos nesse período, em que tentam se adaptar ao fato de não serem mais crianças, nem adultos, gerando grande inconstância emocional, as quais não passam de ajustes. Então, a adolescência é como um renascimento, marcado, dessa vez, pela revisão de tudo o que foi vivido na infância.
Além disso, o corpo físico em pleno processo de transformação (puberdade) pressiona a construção de uma nova identidade, a partir desse novo corpo, nem sempre bem aceito pelo adolescente, pois pode apresentar-se diferentemente dos padrões da moda.
Sendo assim, por trás de diferentes manifestações como rebeldia, isolamento, contestações, introspecção, também se pode observar a automutilação.
Alguns pais se culpam por não enxergarem o sofrimento que essas crises promovem ou por não perceberem a automutilação. Reforça-se a importância da presença efetiva e de qualidade desses pais na relação que estabelecem com seus filhos adolescentes. Ainda assim, o isolamento citado anteriormente e a introspecção, justificam a necessidade inconsciente de esses jovens buscarem outros modelos de homem e mulher, além do pai e da mãe. E o distanciamento torna-se uma estratégia usada por eles a fim de reelaborar a imagem idealizada desses pais e provar que não são mais criança e que são diferentes de seus pais. É nesse momento que os grupos (colegas de escola, de esportes, de instituição religiosa, vizinhos…) assumem um papel importante nessa fase: o de identificação.
Na adolescência, a violência da autodestruição é, muitas vezes, sentida pelos jovens como o último meio de controlar, “seja lá o que for”, perante uma situação que os ultrapassa seus limites de superação, como a perturbação emocional. O comportamento destrutivo, geralmente, é uma forma de buscar alivio para a situação que parece fora de seu controle.
Observa-se que a autoagressão é praticada por adolescentes que ainda possuem poucas estratégias de enfrentamento. A automutilação representa a dificuldade para regular o afeto e limitada habilidade de resolução de problemas. Usam esse comportamento com a intenção de aliviar as dores emocionais, quando sentem uma profunda tristeza, raiva, ansiedade, ou ainda outras emoções como a angústia e a frustração. É como se tratassem de uma espécie de troca da dor emocional pela dor física.
Já as ideias suicidas, refletem uma vulnerabilidade aos sintomas depressivos. Além de estarem, muitas vezes, associadas a outros problemas/doenças como bulimia, anorexia, bullying, transtornos alimentares, entre outros.
Frequentemente, suas dores são ocasionadas por frustrações e/ou estresses de demandas frágeis. Algumas vezes, citam a dor da falta de não faltar, queixam a sensação de não pertencimento, de sentirem-se perdidos, de não reconhecerem seus adjetivos e de não saberem que objetivos estabelecer para suas vidas.
Cabe ressaltar que devemos compreender tais processos, mas isso não quer dizer negligenciar, afinal, toda a crise necessita assistência, atenção afetuosa da família e orientação e/ou acompanhamento profissional.
Embora estranho, a automutilação nos adolescentes, também pode ocorrer como uma espécie de “moda”, quando alguém no grupo de convívio experimenta fazê-lo e acaba por ser seguido pelos outros. Sendo uma experiência dolorosa, a maioria dos adolescentes acaba por interromper o comportamento. No entanto, quando a automutilação persiste, geralmente é porque estamos perante um jovem que vive em sofrimento emocional, que busca nessa dor do corpo uma “justificação” para a dor emocional. Refletindo com o adolescente sobre a sua relação com as emoções, este começa a ganhar consciência de que é mais sensível às emoções, sentindo-as de forma mais profunda e intensa que os outros, optando por não as expressar, “guardando-as só para si”, e demorando mais tempo a sentir-se reconfortado, com todos os custos que isso acarreta.
É fundamental adotar uma postura de disponibilidade para escutar o que preocupa esse jovem e o que ele está a sentir, dando-lhe espaço para (mas não o obrigando a) partilhar. Sugere-se a existência de um momento diário, nas rotinas da família, em que todos se sintam livres e aceitos na partilha de ideias, dúvidas, preocupações e conquistas. Podem chamar esse momento de reunião familiar, de bate-papo em família ou até mesmo batizar com criatividade esse especial evento entre quem se ama.
Outra opção, é a Psicoterapia que além de ofertar uma escuta qualificada, possibilita esse adolescente adquirir recursos mais estruturados para que consiga aos poucos, se reorganizar de uma forma que a adaptação à realidade não seja tão custosa. A participação de outros profissionais, como Psiquiatra, Hebiatra (especialista em adolescentes) pode auxiliar enquanto conduta multidisciplinar.
A Medicina Tradicional Chinesa, através da Acupuntura, pode ser mais um recurso para amenizar os níveis de ansiedade, propiciando um sono reparador e promovendo o equilíbrio integral.
Ressalta-se, finalizando, que as conquistas desse processo terapêutico ocorrem quando desde o início do tratamento, há um entendimento de sua demanda e um manejo adequado. Manejos que proporcionam a retomada da fase de desenvolvimento psíquico que se encontrou bloqueada, e proceder com suas tentativas no avanço, rumo ao equilíbrio e à saúde integral.
Por Cristiane Richter – Psicóloga & Acupunturista do Espaço Vida Centro Terapêutico.
Referências Bibliográficas
A Causa dos Adolescentes, Françoise Dolto, 350 págs., SP. Ed. Ideias & Letras, 2008.
Adolescência Normal – Um Enfoque Psicanalítico, Arminda Aberastury e Mauricio Knobel, 92 págs., o Alegre, Ed. Artmed, 1981.
Periódidos Eletrônicos em Psicologia – Contribuições da psicanálise Winnicottiana à clínica com adolescentes fronteiriços: estudo de um caso (Sandra Aparecida Serra Zanetti e Geovanna Moreno Cianca)
Periódidos Eletrônicos em Psicologia – O corpo na dor: automutilação, masoquismo e pulsão (Juliana Falcão Barbosa de Araújo, Daniela Scheinkman Chatelard, Isalena Santos Carvalho e Terezinha de Camargo Viana)