Vaidades x Amor Próprio – Um Olhar das Ciências ao Espiritismo

O presente artigo surgiu a partir da preparação de uma palestra sobre esse tema. Posteriormente, foi sugerido trazer esses enfoques também para esse “ESPAÇO”.

Observa-se que mundo está vivendo mais do que nunca, um período em que, uma imagem vale mais que mil palavras… Logo, mostrar-se, pode se transformar em uma maneira de alimentar a vaidade. Mas a vaidade, precisa ser alimentada, anda fraquinha por acaso? Será que está adoecida? Até o Papa Francisco demonstrou preocupação com essa enferma e falou: “Cuidado com a vaidade, ela torna a vida uma bolha de sabão.”

Para se entender o que realmente é VAIDADE, busca-se na sua origem etimológica o significado, como VANITAS, que do latim, quer dizer qualidade do que é vão FÚTIL e ILUSÓRIO. O dicionário Aurélio já define vaidade como presunção, frivolidade e orgulho injustificado. Parece-me, então, pelos seus significados que pode ser algo não muito bom…

Muitas pessoas já devem ter escutado de seus familiares, frases como essas acima… Op’s, partindo dessas mensagens transmitidas de geração para geração, nos parece que a vaidade não é algo tão ruim assim… Afinal, como compreender a vaidade estimulada? É algo bom ou ruim?

Sempre que se estuda a Sociologia, se aprende a analisar o contexto cultural, temporal, geográfico para compreender melhor comportamentos, eventos, situações etc. Nesse sentido, se analisa o conselho dado para que se tenha vaidade, principalmente voltado às pessoas do sexo feminino, pois num período que compreende as décadas de 70 e 80, ainda percebia-se que parte da sociedade embasava seus princípios em condutas machistas, os quais as ditas “mocinhas” precisavam manter uma imagem adequada aos padrões da época para serem valorizadas e garantirem um sólido casamento. Outro aspecto que se relembra, é o fato de que o auto-cuidado esteve mais ligado ao sexo feminino, tendo em vista que poucas mulheres desenvolviam outros atributos (formação, profissão) além da beleza.

Destacamos a visão do grande filósofo Nietzsche que escreveu sobre a vaidade afirmando que esta tem o papel de humanizar o indivíduo para que seja mais sociável e cumpra as exigências de uma moralidade estabelecida nesse contexto. (E parece que se aproximou da sociologia.)

Observando as religiões Cristãs, a vaidade é considerada “um dos pecados capitais” e Segundo a Bíblia, vaidade é algo enganoso, sem valor, que leva a ostentação e a idolatria. É possível se encontrar na Bíblia, uma série de versículos que falam sobre a vaidade e todas as passagens trazendo essa conotação negativa. Citam-se alguns exemplos:

O vaidoso e arrogante, chama-se zombador; ele age com extremo orgulho.
Provérbios 21:24

Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente
considerem os outros superiores a si mesmos.
Filipenses 2:3

No Evangelho Segundo Espiritismo, destaca-se o capítulo 5, item 4, que trata sobre a vaidade. Allan Kardec fala que o homem, devido sua falta de humildade e sua vaidade, culpa terceiros por problemas e infortúnios que sofre. Expressa que o homem só poderá evitar sofrimentos, quando trabalhar por se melhorar moralmente, tanto quanto intelectualmente. Ou seja, não apenas para receber aplausos e sentir-se melhor que os outros, sendo dessa forma vaidoso.

Nesse sentido, percebe-se quão verdadeiro é essa ideia de Kardec, tendo em vista a tendência das pessoas em terceirizarem seus problemas, responsabilizando os outros. Em seus estudos, expressa que isso é imoral, bem como orienta todos assumirem suas responsabilidades, pois afirma que só assim as pessoas encontrarão suas falhas, as quais precisam melhora-las…

Na prática psicoterapêutica, é comum se observar esse movimento de acusarem os outros de culpados ou responsáveis por muitos problemas, conforme as afirmações de Kardec. Vejam os exemplos descritos abaixo:

filhos desrespeitosos = culpa é da TV, da Internet, dos amigos mal-educados;
conflitos familiares = culpa das dificuldades financeiras, excesso de trabalho, intrigas alheias;
problemas no trabalho = culpa do outro setor, outro colega que é improdutivo; da falta de comunicação entre colegas, etc., etc., etc.
Parece ser difícil olhar para si, analisar de forma crítica as próprias condutas e assumir as próprias responsabilidades nesses processos.

Quanto a melhorar-se moralmente, tanto quanto intelectualmente, mencionado por Allan Kardec, deve ser a missão de todos os indivíduos encarnados nesse momento, pois essa é a oportunidade de evoluírem.

Ainda no âmbito Espírita, Chico Xavier traz um exemplo, entre tantos, mas que expressa o cuidado que se deve ter com a vaidade.

Existe o relato de que certo dia encontrou em uma caminhada matinal, um homem que ao lhe ver, começou a enaltecê-lo, em voz alta, comparando seus dons mediúnicos a de anjos e apóstolos. Então, Chico humildemente disse-lhe: “Sou um pobre sapo, que traz nas costas uma vela acesa. Beneficia-se com a claridade, mas, para possuí-la, constantemente, tem que sofrer com a cera derretida que lhe cai sobre a pele, queimando-a, como a lhe recordar de que é preciso ANDAR com cuidado e SEM VAIDADE se quiser chegar ao fim da jornada”.

Chico também ressaltava a necessidade de se encontrar a diferença entre “vaidade” e “amor-próprio”, apontando que esse entendimento faria parte da sabedoria no indivíduo. Explica que quando o esforço para se sentir melhor, mais bonito ou mais apresentável significar um mau trato (a alguém ou a si mesmo), a pessoa estará saindo do amor-próprio e entrado na vibração da vaidade.

Ao estudar a Psicologia e seu entendimento sobre a vaidade, encontra-se esta como um aspecto que integra a “normalidade” da vida humana. Uma normalidade que se refere ao contexto atual, onde se vive na era da imagem e, sobretudo, da autoimagem que inclusive para muitos, não precisa ter necessariamente qualquer vínculo com uma realidade subjacente. Um momento da sociedade em que é importante aparecer.

A vaidade para a Psicologia refere-se ao autocuidado, ao capricho consigo desde que essas características sejam expressas com o devido bom senso e equilíbrio. Destaca-se essa parcimônia, pois para se construir a autoestima e autovalorização saudáveis, reconhecendo seus valores, (independente do aplauso dos outros), é um desafio, mediante as exigências como condição de inclusão e pertencimento nesse mundo de autoimagens.

Brevemente, traz-se um recorte da lenda de Narciso, que para a Psicologia é muito ilustrativo.

Segundo o mito, Narciso era tão belo e tão vaidoso que, após desprezar inúmeras pretendentes, acabou se apaixonando pelo seu próprio reflexo nas águas do rio. Não comia, nem bebia para ficar contemplando sua imensa beleza, até que se atirou nessa fonte de águas cristalinas, na intenção de unir-se à sua linda imagem ali refletida, num mergulho infinito. O mito ensina que o excesso de vaidade e falta de empatia pelos outros, podem ser prejudiciais.

A psicologia entende uma personalidade narcisista como um Transtorno. Trata-se de uma condição mental em que as pessoas têm um senso inflado de sua própria importância, uma profunda necessidade de atenção e admiração excessivas, que ocasionam relacionamentos conturbados pela falta de empatia pelos outros. É um transtorno que se diagnostica seguindo critérios técnicos, considerando o tempo em que apresentam sintomas e comportamentos, a intensidade desses, a frequência em que ocorrem, entre outros.

Outra análise que a psicologia faz acerca da vaidade excessiva, representa uma tentativa de compensar algum vazio. Afinal, atrás dos excessos, sempre há uma falta… Carências de elogios, carências de valorização na formação da personalidade, que ocorre na infância, podem ser projetadas nessa excessiva vaidade, nessa busca desenfreada de atenção. Complementa-se alertando que quando essa atenção e valorização não são correspondidas, podem ser exigidas com agressividade.

Como contribuição, cita-se o psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina, SP, Breno Rossostolato, que adverte que esta cultura narcísica pode ser perigosa, porque a autoimagem do indivíduo passa a ser baseada nas imagens, nas fotos. Como consequência, a pessoa pode viver baseada em fantasias, idealizações e viver frustrada com a realidade. Como se o “ter” e o “parecer” fossem mais importantes do que o “ser”.

Constata-se então, que o saudável consiste em não fazer esse mundo imaginário, fantasioso, a sua própria identidade. Tudo na vida pode ser saudável quando não for em excesso. E isso pode servir para a vaidade e o amor-próprio.

Ressalta-se que não se pretende fazer críticas aos usuários das redes sociais, que enaltecem suas imagens. Percebe-se que as imagens e fotos podem marcar momentos especiais, compartilhamento com pessoas significativas, pois representarão lembranças que poderão ficar para posteridade, como uma maneira de lembrar aquela situação, como um recorte de uma passagem emocionante e bonita da vida. Mas torna-se um problema quando vira obsessão e o individuo vive em função disso.

Depois de diferentes pontos de vista, pode surgir a questão de que forma conviver nesse mundo separado por uma linha tênue, entre o amor-próprio e os excessos da vaidade que empurram para a banalidade?

A sugestão é usar o bom senso ao cuidar da autoimagem, do corpo (embalagem da alma e que é responsabilidade de cada um zelar por ele), de forma equilibrada. Enxergando o amor-próprio como um pilar da autoestima, autoconfiança e autoconhecimento. Compreendendo que amor-próprio é a aceitação das qualidades, defeitos, conquistas, fracassos, escolhas e experiências de vida. Entende-se que quem se ama verdadeiramente, tem consciência que é imperfeito e que pode errar. Sabe-se que errar, faz parte do processo de amadurecimento, pois o empenho e o trabalho para ser cada dia melhor é um propósito saudável para a vida. É através do amor-próprio que se percorre o caminho da realização pessoal, atraindo relações interpessoais sadias, oportunidades, vitórias profissionais, felicidade cotidiana, entusiasmo por amores, e muito mais.

Por Cristiane Richter
Psicóloga/Consteladora Sistêmica

Referências Bibliográficas
Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo 15° edição. Editora Edicel. Sobradinho, DF. 1996.
HALL, Calvin Springer. Teoria da personalidade. 18 ed. São Paulo: Ed. Pedagógica e Universitária, 1984. 1v
LAKATOS, E. M. & MARCONI, M. A. Sociologia Geral. São Paulo: Atlas, 1999
Manual Diagnóstico E Estatístico De Transtornos Mentais: DSM-IV. Porto Alegre: Artmed, 1995.
LUZ ESPIRITA DE BOTUCATU – PARA ANDAR COM CUIDADO E SEM VAIDADE... (Acessado 02/06/20220).

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