Venho refletindo há algum tempo sobre esses sentimentos que permeiam o LUTO, buscando a cada dia, mais recursos teórico-técnico, para que enquanto psicóloga, possa ajudar nesse enfrentamento. Compartilho aqui “alguns achados” que integram um trabalho psicoterapêutico amplo que desenvolvo com meus pacientes…

Encarando o LUTO em tempos de Pandemia

Cristiane Richter, Psicóloga, Consteladora Sistêmica Familiar

Inicia-se esse texto com todo respeito e pêsames as mais de 550.000 famílias brasileiras que perderam alguém para a infecção pelo novo corona vírus. Tem-se a consciência que até a publicação ou até mesmo ao momento da visualização de cada leitor, infelizmente, esse número já estará desatualizado e maior. Sendo assim, faz-se necessário falar sobre esse processo doloroso, o qual abate muitos dos envolvidos com a morte de alguém, sejam filhos, pais, cônjuges, irmãos, sobrinhos, netos, avós, etc., cada um sofrendo no seu tempo, sentido a intensidade da sua própria dor, lidando a sua maneira com esse infortúnio.
No século XVII, a comunidade científica internacional se dedicou a estudar o processo de luto em detrimento da I Guerra Mundial, ocasião em que o sentimento de pesar e os sintomas de melancolia impactavam a população como um sofrimento em massa, publicado por The Anatomy of Melancholie, datada de 1621 (Parkes, 2001).
Nessa revisão sobre o luto, cabe uma observação no que se refere às diferentes formas em que a morte foi sendo entendida ao longo desses anos… No século XIX, por exemplo, a civilização ocidental, principalmente europeia, detinha regras altamente regidas pelos códigos de etiqueta, consequentemente a morte foi também rigidamente regulamentada. Sendo assim, manter um longo processo de luto era sinônimo de boa reputação na sociedade intransigente da época, visto que desrespeitar regras de um luto, era considerado um verdadeiro escândalo, um ato de imoralidade.

Já no século XX, um período caracterizado pela civilização industrial, Philippe Ariés (2003) destacou o tabu em torno da morte, ditado pelo excessivo apego à vida produtiva, contagiando a sociedade com um temor diante da ideia de morrer. Outro destaque que se faz à morte nesse período é a tendência de ocultamento dos doentes e da real gravidade de seus estados, inclusive quebrando o velho costume de morrer em casa, substituindo pela morte no hospital. Nasce nesse período também, aquele velho hábito de não se pronunciar o nome de doenças como câncer, referindo-se quando muito necessário a ela, como “aquela doença ruim” ou aquela doença “C”…

E foi a partir do ano de 1980 que diferentes abordagens da psicologia desenvolveram conceitos em torno do fenômeno do luto, a fim de compreendê-lo melhor a partir de diferentes perspectivas dentre elas: Psicanálise, Fenomenologia, Teoria Cognitiva-Comportamental, Sistêmica, Psicologia Social, entre outras.
Na visão do psiquiatra Murray Parkes (2009), mesmo que o indivíduo tenha convicção da sua própria finitude, entende que toda morte provoca um forte impacto na subjetividade daquele que enfrenta a perda de um ente querido, necessitando uma reorganização do ego por meio do processo de elaboração do luto, o qual a psicoterapia pode auxiliar. A resistência em aceitar a morte do outro, muitas vezes pode estar centrada na dificuldade em lidar com sua própria condição de ser mortal e por isso mantem o apego e o medo de perder aquele que já não existe mais.

A psicoterapia clínica percebe que a morte de pessoas significativas para o indivíduo, pode mobilizar uma série de sentimentos, desorganizando a capacidade de enfrentamento do luto, retirando-os da zona de conforto cotidiano. Além disto, acredita-se que o luto pode tornar o indivíduo temporariamente vulnerável do ponto de vista psíquico e, sob algumas condições adversas, pode favorecer o adoecimento tanto físico como emocional. E sendo assim, a partir desses pressupostos, a dor do luto pode ser a mais profunda fonte de sofrimento psicológico humano.
Já a psicologia social, direciona seus estudos na eficácia de serviços psicossociais, tais como grupos de autoajuda, de aconselhamentos, os quais se referem a uma intervenção que pode ser realizada tanto por psicólogos como voluntários treinados, propiciando um espaço de expressão e validação da dor, bem como ajuda na adaptação dos enlutados, nas adaptações inevitáveis após a morte de alguém próximo.
Outra referência importantíssima é a “TEORIA DO APEGO”, segundo (Bowlby, 1969) que oferece a compreensão das reações das pessoas diante da perda, pois nesta abordagem, a morte representa uma ameaça, uma separação e a ruptura definitiva de uma figura de apego que também pode remeter a perda da proteção.
Diante de tantos enfoques, a Psicologia Geral traz as fases do luto, como mais uma possibilidade de compreensão dos diferentes momentos de sofrimento provocados pelo evento da morte. São elas:
Negação: Defesa psíquica onde o indivíduo nega a existência do problema. Tenta agir como se nada tivesse acontecido. Evita falar sobre a morte.
Raiva: Pode haver demonstrações de raiva nas primeiras semanas até seis meses, Sente-se inconformada e revoltada com a perda. Acompanhado desse sentimento pode surgir sintomas como insônia, inapetência…
Barganha: É a tentativa de criar uma fantasia de que a morte possa ser impedida e tenta criar estratégias para tornar isso possível.
Depressão: É o fim da fantasia e o encontro com a tristeza da perda. É a conscientização do que ocorreu, ocasionando uma dor imensa e a ideia de que esse sofrimento não terá mais fim.
Aceitação: É quando a realidade é aceita e se compreende que a superação faz bem. A dor do luto vai amenizando e os sentimentos e ideias vão sendo reorganizadas.

Cada uma das reações perante a perda de um ente querido pode variar de acordo com a faixa etária, história de vida, com a maturidade, com a estrutura psicológica, suporte social, com a cultura de cada enlutado, com as crenças religiosas, características do relacionamento perdido e da maneira em que ocorreu a morte, por isso não devem ser consideradas universais e padronizadas. Sendo assim, para que se evitem equívocos no julgamento de inadequadas, patológicas ou saudáveis formas de se lidar com o luto, faz-se necessário ter uma compreensão individual de ajustamento e condições de adaptabilidade diante aquele contexto específico.
Quanto ao aspecto tempo cronológico para a aceitação da morte de alguém, bem como tempo de sentir a dor da perda, cita-se a vivência dos rituais como aspecto imprescindível para melhor elaboração do luto. Nesse sentido, em uma situação pandêmica, ainda que amenizada pelo processo de imunização com as campanhas de vacinação, ainda é considerado grave risco de contaminação ao se realizar um velório, portanto, equipes de saúde têm realizado (dentro do possível), nos últimos períodos de vida de pacientes com risco de morte, as vídeos chamadas, favorecendo a concretização da morte, sem o contato direto com o doente.

No exercício da clínica psicoterapêutica, mediante a essa pandemia, algumas condutas são orientadas e/ou sugeridas aos enlutados, como criar um grupo ou uma página virtual para a despedida. É um espaço que pode servir temporariamente como memorial. Bate-papo com familiares e amigos próximos para receberem as condolências, bem como para compartilharem lembranças e a saudade, ainda que através das redes sociais, pode ajudar também. Sugere-se ainda uma postura observadora por parte da família, sobre as pessoas mais íntimas do falecido(a), se estão expressando seus sentimentos, se apresentam relações de amizade para desabafarem, compartilharem suas dores…

“Preciso reconfigurar esse luto para algo que deve ser sentido sem tanto sofrimento…” fala de um cidadão não identificado, que buscava informações ao telefone sobre psicoterapia.

Outra relevante orientação dada na psicoterapia se refere ao gerenciamento de atividades. Essa fase é de fragilidades, inclusive por isso as rotinas não precisam ser mudadas bruscamente, bem como as tomadas de decisões devem ser adiadas para outras circunstâncias.
Convergindo com outras abordagens já citadas, Bert Hellinger aponta à relevância de se trabalhar a morte de parentes, histórias antigas, segredos, feridas, perdas e exclusões através das constelações familiares e/ou psicoterapia. Afirma que a dor e o luto são processos necessários para que se separe daquele(a) que partiu. Bert Hellinger reforça também a importância dos rituais, na ocasião da morte de um ente querido, como forma de expressar a reverência e honra aos que se foram até mesmo com gestos simples de acender uma vela.

Destaca-se também, a atenção que o autor refere ao risco da pessoa enlutada, desejar ocupar o lugar daquele que faleceu, buscando de forma inconsciente, a manutenção de sua presença ou como forma de reparar e repor algo deixado incompleto pela pessoa que morreu. Compreende-se que pode ser necessário algum parente exercer algumas das atribuições do finado. Contudo, esse fato, não eternizará o falecido. Explica também, que essa ação quebra a ordem, isto é, rompe com uma das leis sistêmicas, princípio fundamental da Constelação Familiar. E consequentemente, gera um desequilíbrio nesse sistema, podendo produzir algumas consequências, como por exemplo, depressão, pânico, entre outras patologias. Percebe-se então, que entender e aceitar a morte como parte complementar da vida, dará alívio e tranquilidade para se encarar a perda.

Por fim, conclui-se que reforçar o respeito ao sentimento de luto e ofertar ajuda psicológica, em uma vivência de luto, deva ser uma conduta adequada, independentemente do tempo que transcorreu desde a morte do ente querido. Enfrentar a morte de quem se ama, de quem se quer bem, ter que aceitá-la, ter que lidar com a saudade, entre outras questões, requer estruturas, as quais podem ser construídas com apoio profissional de um psicológico, durante um processo permeado de acolhimento, amorosidade, empatia e ética.

Referência Bibliográfica
ARIES, P. História da Morte no Ocidente. RJ: Ed. Ediouro, 2003.
DALBEM, Juliana Xavier e DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Teoria do apego: bases conceituais e desenvolvimento dos modelos internos de funcionamento. Arq. bras. psicol. [online]. 2005, vol.57, n.1, pp. 12-24. ISSN 1809-5267. Acessado em 03/03/2021.
Parkes,C.M. Amor e Perda – As raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus, 2009.
Professora cria cartilha de apoio a famílias que, como ela, perderam alguém para COVID 19. Gazeta do Povo, Sempre Família. Acessado em 03/03/2021.

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