Consequências Psicoemocionais Causadas Por Dívidas Financeiras
Um dia você já foi questionado: – Quem nasceu primeiro, a galinha ou o ovo?
Nesse momento, refaço o questionamento com certa adaptação ao contexto atual: – A pessoa desenvolve problemas depressivos porque está mergulhada em dívidas ou um quadro anterior de desequilíbrio psicológico a torna mais propensa à inadimplência?
Em minha humilde opinião, é difícil precisar a ordem desses fatores. Nenhuma das análises é clara o suficiente para justificar sobre o que é causa e o que é consequência. Mas deixo todos muito à vontade para responder, cada um a sua maneira…
Ao longo das minhas experiências clínicas, bem como das experiências pessoais, constatei pessoas deprimidas com menos concentração e organização, desesperançoso e sem perspectiva pessoal de futuro, o que pode torná-las mais suscetíveis as dificuldades financeiras, além de não enxergarem razão para poupar, uma vez que seu amanhã é incerto… Mas segundo o doutor em Psicologia Clínica, Thomas Richardson, da instituição britânica, pode ocorrer, também, que aqueles indivíduos com muitas dívidas, se vejam sem solução sobre sua situação, potencializando o surgimento da depressão.
O Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) já provou que 80% das pessoas que acumulam débitos sofrem de depressão e ansiedade. Um estudo da Universidade de Southampton, no Reino Unido, mostrou que as dívidas também podem estar relacionadas a desordens alimentares, ao uso de álcool, drogas, à psicose e até mesmo ao suicídio.
Em um país como o Brasil, que apesar de ter conhecimento e mão de obra qualificada, caracteriza-se por ser um país sem muitos investimentos na formação de novos cientistas, bem como em pesquisas, pode-se observar que o SPC, sob a autoria da economista Marcela Kawauti, produziu um interessante estudo, destacando que os indivíduos que entraram na lista de devedores do Serviço de Proteção ao Crédito, na proporção de seis a cada dez inadimplentes, admitiram ficar com a autoestima mais baixa (57,8%). Além disso, quatro em cada dez inadimplentes (43,9%) sentem-se envergonhados perante a família e amigos por estarem nessa situação e 42,5% demonstram em alto grau de preocupação com as suas dívidas.
Ademais, observa-se que os resultados práticos da inadimplência são bastante conhecidos pela população em geral, como: inclusão do nome em entidades de proteção ao crédito, ações judiciais e restrição ao crédito com dificuldades para comprar a crédito… Contudo, se desconhece os “custos emocionais” dessas situações, os quais podem ser devastadores para a vida do indivíduo.
A Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) integraram-se a pesquisa do SPC, objetivando identificar e compreender o sofrimento emocional gerado pelo endividamento. Tal pesquisa fora realizada em 27 capitais do nosso país, com mais de 600 sujeitos em 2015/2016. Apesar do ano desta pesquisa, compreende-se o tempo de realização desta, o tempo de análise dos resultados, o tempo de trâmites para a autorização e publicação desses resultados, portanto se considera o referido estudo, ainda uma pesquisa atualizada…
Apresentam-se alguns desses resultados, considerados relevante para reflexão proposta nesse texto:
• Considerado que o endividamento traz algum grau de desconforto para quatro, em cada dez consumidores inadimplentes (43%). Estes apresentaram o surgimento de insônia, queda na autoestima, infelicidade, irritação, perda de produtividade no trabalho e até mesmo agressões verbais e físicas estão entre as alterações de comportamento que explicam esse desconforto.
• Praticamente seis em cada dez consumidores inadimplentes (57%) têm preocupação alta ou muito alta com a dívida que possuem há mais de três meses, principalmente entre as mulheres (60%, contra 51% entre os homens). Ao mesmo tempo, apenas um em cada dez entrevistados (12%) garante que a preocupação com o assunto é baixa ou muito baixa.
Ao analisar esses dados, relaciona-se imediatamente as sintomatologias descritas, a outras consequências tão graves quanto as já mencionadas, como o consumo de drogas, cigarro, álcool ou comida em excesso, acúmulo de coisas, compras desenfreadas que se caracterizam como compulsões.
Percebe-se que os apelos do comercio são um tanto sedutores, conforme afirma Tolotti (2007) ao abordar o fato das propagandas criarem um mundo de fantasia e que muitas vezes os consumidores são levados para esse mundo irreal. Considerado como armadilha na sociedade de consumidores: a famosa busca pela felicidade, que também é a busca pelo corpo perfeito, pela posição social, pelo status, entre outras características, conquistam os gastos por estas fragilidades humanas.
Segundo o artigo COMPORTAMENTOS COMPULSIVOS, de Denise Hardt e Cristiane Richter, a compulsão acontece quando temos um desejo incontrolável de fazer algo, ou seja, pode-se dizer que ela se caracteriza por uma obsessão de algo ou a repetição excessiva e desnecessária de uma ação. A pessoa que tem comportamentos compulsivos, normalmente pode estar tentando compensar um estresse, afastar uma ameaça, eliminar a ansiedade ou mesmo tentando obter prazer ou satisfação. Orienta-se então, que independentemente da causa que tenha provocado tais comportamentos, o individuo busque ajuda profissional, pois se conclui que o endividamento gera um sofrimento ao indivíduo, que pode chegar ao ponto extremo de algumas pessoas pensarem em tirar a própria vida.
Sejam por compulsão, processos depressivos, seja por consequência de dificuldades econômicas, as quais o mundo inteiro vem passando, principalmente nesse momento, por razão da pandemia do Coronavirus, é que se faz necessário o acompanhamento e tratamento dessas pessoas, com o intuito de auxiliá-las na reconstrução de sua autoestima, na organização de prioridades, no tratamento dos sintomas físicos, entre outros. O acolhimento profissional do psicólogo, do psiquiatra, do homeopata e/ou outros, poderá propiciar melhor equilíbrio e manutenção da saúde física e psicoemocional.
Destaca-se ainda que por essa razão, durante o período de quarentena ou isolamento social, em decorrência ao COVID 19, que o Ministério da Saúde tem publicado na seção “Saúde Brasil” orientações sobre ações e hábitos que ajudam na manutenção da saúde da população em geral.
Além disto, a sociedade civil organizou-se com profissionais da saúde mental em atendimentos on-line para evitar essas crises graves, em decorrência aos problemas mencionados. Pois tanto a área da saúde, quanto a econômica tem provocado muitos estresses para todos… Seja com desemprego ou com o sentimento de inutilidade e de descrença que pairam em nossa sociedade atual. Este quadro de problemas associado, já tomou proporções fatídicas. Ressalta-se também, os conflitos familiares e conjugais consequentes das crises financeiras, pois os diálogos em casa se transformam em uma oportunidade para culpar o outro por estarem vivendo tal situação, como se “acusar o outro” fosse resolver alguma coisa…
Então, um novo questionamento torna-se oportuno: – O que Deus uniu, o dinheiro pode separar? Por conta do medo da falta de dinheiro e do receio de não dar conta de cumprir com as necessidades básicas da casa e as responsabilidades das contas fixas, os casais entram em um estado emocional negativo e pensam inclusive que a separação pode ser a solução da crise financeira. Nesse caso se tornam reativas, fechadas, irritadas, feridas e podem sentir-se incapazes de pensar com clareza. No entanto, essas atitudes pode aliviar a tensão individual (é isso que se costuma pensar), mas na verdade, só agrava o já fragilizado relacionamento conjugal e a cumplicidade dos membros da família sensibilizada com esses problemas a princípio materiais. Muito já se ouviu dizer que o dinheiro pode não trazer felicidade, mas um des-compasso financeiro pode acarretar problemas muito graves aos indivíduos.
Tais conflitos podem receber a ajuda profissional de um psicólogo, a fim de retomar as individualidades, bem como enquanto casal, reconstruir o que desejam compartilhar em termos de sonhos, de prioridades e de desapegos… Não se pode perder de vista que as crises vêm e passam como tudo na vida. Por isso, o relevante é ter sabedoria para decidir quando contar com o apoio profissional de um psicólogo, por exemplo. E também bom humor e amorosidade para seguir em frente sem perder o que de fato nos é caro e importante: um sorriso amigo, um abraço confortante, um olhar carinhoso, uma palavra terna e a certeza de encontrar apoio na pessoa que se escolheu para compartilhar a vida.
Talvez para alguns, certas reflexões tenham sido apelativas ou negativas, contudo, o alerta precisa ser dado. Negligenciar nossa saúde psicoemocional em detrimento da inclusão social pelo consumo ou pela estabilidade financeira pode trazer consequências duras, e não fora encontrado por mim, outra forma de expressar tudo isso.
Por Cristiane Richter – Psicóloga & Acupunturista no Espaço Vida Centro Terapêutico.
Referência Bibliográfica
SPC Brasil – Impactos do endividamento no estado emocional do brasileiro. Agosto/2015. Acesso em 25/05/2020.
Estado de Minas | Economia – Falta de dinheiro faz mal à saúde, avalia pesquisa junto ao consumidor. Acesso em 28/05/2020.
Espaço Vida Centro Terapêutico – COMPORTAMENTOS COMPULSIVOS. Denise Hardt e Cristiane Richter. Acesso em 25/05/2020.
TOLOTTI, M. As Armadilhas do Consumo: acabe com o endividamento. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Elservier, 2007.